sábado, 1 de setembro de 2007

O DESAFIO DA MORTE

Entre os grandes enigmas do pensamento universal, a morte vem ocupando lugar de primazia, face ao profundo significado de que se reveste.
Desde recuados tempos tem permanecido como indecifrável ponto de
interrogação, que dilacera sentimentos e desencoraja projetos de vida.
Alterando a estrutura da forma do ser, que desconecta os órgãos e os
transforma na diluição da massa que desaparece na intimidade de outros
elementos, assinala a existência física de forma perturbadora, desorientando
o comportamento de todos quantos a vêem arrebatar aqueles a quem amam. Não apenas sob esse ponto de vista, mas também pela inexorabilidade de que se reveste, ameaçando aqueloutros que ficam.
No seu curso incessante, vê a chegada dos futuros candidatos ao seu
arrebanhamento, atuando, às vezes, de maneira incompreensível, quando
conduz quem está saudável e deixa o enfermo, quando toma o jovem em
detrimento do idoso, ou irrompe cruel ceifando muitas vidas do mesmo clã,
enquanto outros parecem inatingíveis.
Interfere, abruptamente, nos planos mais bem delineados, nunca podendo ser detida, porquanto nenhuma força humana consegue impedir-lhe a execução do programa.
Com a mesma naturalidade com que convoca o mendigo, assim procede com o poderoso, visitando reis e vassalos, nobres e plebeus, humildes e orgulhosos, numa colheita inestancável.
Odiada por muitos e aguardada por outros tantos, prossegue no ritmo que assinala o transcurso dos evos, alterando a face do planeta e da humanidade.
Utilizada pelos perversos contra aqueles a quem têm como inimigos, também os devora insensivelmente, demonstrando a vacuidade dos valores terrestres.
Apesar de todo o seu poder, é, no entanto, somente a mensageira da Vida que se encarrega de conduzir de retorno todos quanto saíram do Grande Lar e se encontram em viagem rápida pelo veículo do corpo.
Sem a sua rítmica presença, a vida humana se tornaria impossível, face ao desgaste a que está condenado o ser biológico e às ocorrências naturais do
comportamento psicológico de todos os indivíduos.
Sem a sua natural presença, as inimizades se prolongariam desgastando os litigantes e as afeições particularistas impediriam o avanço da vera fraternidade. Ela, porém, chega silenciosa e interrompe os programas
estabelecidos, abrindo espaços para alterações expressivas, que logo têm
lugar.
Sob outro aspecto, é somente abençoado veículo que transporta os passageiros físicos de uma para outra realidade, modificando-lhes a estrutura vibratória e conduzindo-os fielmente, tais como são, sem produzir-lhes alterações significativas que já não os assinalassem antes.
Esse processo deve ser encarado com naturalidade, porquanto ocorre
incessantemente, desde que viver é também morrer, considerando-se que a
energia que vitaliza o corpo vai sendo consumida enquanto está ativa, até
cessar de o manter.
A morte é portadora de grave advertência moral, qual seja, convidar o ser humano à reflexão da ocorrência que a sucede.
Ela pode dar-se lentamente, através da exaustão dos órgãos, na velhice ou na enfermidade, ou violentamente pelos acidentes de todo porte. Indispensável, todavia, é a preparação humana para o seu enfrentamento, porque o despertar além do portal de cinzas é inevitável, e cada qual acorda conforme adormeceu.
Tida por etapa final da vida, conseguiu demonstrar que é apenas o recomeço da mesma, dando o curso a uma programação anterior, que nunca se interrompe.
Ei-la presente na Criação, através do desaparecimento de uma das formas para o surgimento de outras, aprimorando os aspectos de tudo, como o escultor que arranca do bloco bruto a essência da beleza e a insculpe em formas ideais.
Esse desafio impõe-se para ser atendido com sabedoria e enfrentado com paz, de modo que, ao ser alcançado pelo seu convite, aquele que retome siga feliz e os demais que ficam, permaneçam confiantes.
Sem provocar qualquer dor, ela mesma é somente o interromper dos laços que fixam o espírito à matéria, liberando-o sem traumatismos, desde que se haja conduzido com equilíbrio e a venha aguardando com naturalidade.
A morte é, portanto, o traço de separação entre o estado orgânico do ser e o espírito que ele é, permanente e eterno.
À medida que se está a morrer, enquanto se vive, conveniente que se esteja também construindo o porvir e libertando-se do passado, como aprendiz que armazena os valores que o deverão acompanhar para sempre.