terça-feira, 27 de março de 2007

O Tédio

Venho doutor fazer-vos uma consulta
O mal que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito
Resulta de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora comum a toda gente
A dor que sofro essa atroz hipocondria
Tanto me traz pensativo e doente
Que já não sei o que é paz nem alegria.
Sendo o mais sábio clínico do mundo
Sois também um filósofo notável
Curareis esse mal inexorável
Que me esmaga o organismo fibra a fibra
Que me enevoa o cérebro e o condensa.
Eu tenho um coração que já não vibra
E suporto uma cabeça que não pensa.
Diga-me amigo: alguma vez amou?
Nunca em seu peito estrurgiu das paixões um temporal desfeito
Como as vagas do mar que se agita e encapela
Ao soturno rumor do vento e da procela?
Em lúbricos festins eu passei a mocidade
Percorri viajando o mundo e a humanidade
E mulheres, todas.
Cujos lábios beijei em bacanais e bodas.
E como fui voltei sem achar lenitivo
Para esse grande mal que assim me traz cativo.
Freqüente o circo amigo
Quem sabe a figura brejeira do famoso Alerquim,
Que desta cidade inteira palmas e aclamações, constantemente arranca
Talvez lhe restitua a gargalhada franca.
Vejo doutor que meu caso é perdido
Pois o Truão que diz falais
Esse palhaço querido
Que vive no coliseu assim tão aclamado
Tem um riso de morte, um riso mascarado
Que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço
Sou eu doutor
Sou eu esse palhaço