sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Como lidar com a sinceridade perversa

Teresa chega ao trabalho com um pequeno atraso.
- Cabelos curtos, Teresa?
- Pois é, eu disse que ia dar uma corridinha ao cabeleireiro na hora do almoço.
- Ficou bom. Mas comprido era bem lindo. Todo mundo adorava.

Teresa corre para o espelho e começa a achar que o corte de que havia gostado tanto já não lhe cai tão bem.

Mesmo considerando que a dimensão dada à opinião do outro depende de cada um de nós, é certo encontrarmos vida afora pelo menos um 'Aiatolá pra atolá'. Coisa boa é ter um amigo sincero, até o perdoamos por viver se gabando disto. Ele pode nos ajudar a rever conduta, a não cometer injustiça e mesmo opinar sobre o nosso corte de cabelo. De alguns podemos discordar, o que vai gerar discussão, claro, mas sadia, enriquecedora. De outros não, dizem ter opinião formada sobre a coisa e sabemos inútil gerar polêmica, ainda assim consideramos o que tem a dizer.

Difícil é conviver com a sinceridade perversa. Nem sei se podemos chamar de sinceridade, mas se a colega de Teresa fosse questionada, diria: - Só estou sendo sincera. Talvez estivesse, por ingenuidade, pelo susto que levou ao vê-la tão diferente, ou até porque entre elas há uma velha rixa, sabe-se lá. Pode ser também, que em circunstâncias parecidas, ela aja sempre assim com qualquer pessoa. Se alguém lhe mostra um sapato novo, lembra ter visto um bem parecido, mas com algum detalhe que o torna especial e arremata perguntando: - Não tinha este na loja? Se lhe apresentam o namorado, ela dirá: - Nossa, ele se parece com fulano, só que fulano é bem mais alto.

Uma coisa é acrescentar, outra é mostrar, pela falta, que a escolha do outro deixa sempre a desejar, desfocando seu olhar daquilo que lhe faz bem, seja uma idéia, uma descoberta, um desejo realizado. O objeto em si perde o valor na comparação com aquele considerado mais interessante, pelo menos de maior aprovação pelo senso comum.

Esta pode ser apenas mais uma maneira que a inveja encontra para se manifestar, velada como sempre. Não é inveja do objeto conquistado, mas do prazer que ele provoca. É muito pouco provável que a colega de Teresa reconheça inveja na sua atitude, de tal forma incorporada, que lhe parece natural. Teresa, por sua vez, não percebe que seu desconforto tem origem na articulação do discurso da colega e não no cabelo que ela corre a verificar no espelho. Não estamos a salvo de qualquer destas posições, mas podemos nos manter alertas contra suas armadilhas, seja dando mais atenção ao próprio prazer para que o do outro não nos incomode tanto; seja preservando o sabor de cada conquista, por mínima que se apresente, para não nos deixarmos contaminar pelo fel alheio.