"A DOR DOS OUTROS E A NOSSA"
Você está uma manteiga derretida. Estendida no sofá, convoca
o ombro da sua melhor amiga para chorar todas as suas
imensuráveis carências. Precisa ouvir dela algo que
lhe anime. Ela bem que tenta:
"Pense bem: tem milhões
de pessoas sofrendo coisas muito piores do que você."
Claro. Todos dizem a mesma coisa. Enquanto você está
aí sofrendo de dor-de-cotovelo, na rua há milhares de
sem-teto, sem-emprego, sem-futuro. No pódium das dores
do mundo, os sem-amor não ganham nem medalha de
bronze. Estão fora da competição.
Você olha pra sua amiga e pergunta: "Acha mesmo
que o fato de um avião cair na Malásia pode diminuir a
minha saudade? Se um gerente de banco é mantido como
refém eu devo abrir um champanhe por não ser eu que
estou com uma arma apontada para minha cabeça?" Se sua
amiga for sensata, responderá que sim, isso deveria
amenizar nossos problemas mundanos. Mas se ela for
sincera, providencia mais lenço de papel.
Os dramas que acontecem no outro lado da rua nos
sensibilizam, mas a contribuição das tragédias alheias
para aliviar nossa crise existencial é zero. Crianças
são mutiladas e você só quer saber do
pedaço do peito que lhe arrancaram. Homens e mulheres
sobrevivem durante dias embaixo da terra, soterradas
por terremotos, e você continua achando que solidão
como a sua não há. Pessoas não têm água potável para
beber e você afoga sua depressão num bom cabernet
sauvignon. Tem gente que perde filho, perde a visão,
perde patrimônio, perde a saúde: lamenta-se por eles.
Razão e emoção são dois planetas que não habitam a
mesma galáxia. Você sabe que sua dor é superável, você
sabe que amanhã vai encontrar um novo amor, você sabe
que é uma felizarda por ter saúde, família, um teto
pra morar, mas você não sente assim. E o sentimento é
poderoso. Comanda-nos.
E a gente sucumbe. Feito um avião caindo do céu,
feito refém de um assalto do coração.
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