domingo, 6 de setembro de 2009

Primavera

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.

A inclinação do sol vai marcando outras sombras;
e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua
vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes — e arautos sutis,
acordarão as cores e os perfumes e a alegria
de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão
todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur.
Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar
as árias tradicionais de sua nação.
Pequenas borboletas brancas e amarelas
apressam-se pelos ares, — e certamente conversam:
mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e
deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram
suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram
pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas,
as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores,
com vestidos bordados de flores, com os braços
carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido,
de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita
para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez,
os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem,
deste movimento do céu. E os pássaros serão outros,
com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que
por acaso os ouvirem não terão nada mais com
tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural,
prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos,
que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que
andam nas árvores, caminhemos por estas estradas
que ainda conservam seus sentimentos antigos:
lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos;
e a eufórbia se vai tornando pulquérrima,
em cada coroa vermelha que desdobra.
Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo
enrolados em redor do perfume.
E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser
lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente,
ao que vem, na rotação da eternidade.
Saudemos a primavera, dona da vida —
e efêmera.