quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Solidão

Ouçamos com os ouvidos internos, pois ninguém pode assimilar bem uma
experiência que não provenha de sua própria orientação interior.

Segundo Pascal, o grande pensador científico-filosófico do século XVII, “a
verdadeira natureza do homem, seu verdadeiro bem, sua verdadeira virtude e a
verdadeira religião são coisas cujo conhecimento é inseparável.”

Nem sempre a solidão pode ser encarada como dor ou insânia.
É, em muitas ocasiões, períodos de preparação, tempos de crescimento,
convites da vida ao amadurecimento.

De acordo com o pensamento de Pascal, o âmago do ser está intimamente
ligado ao bem, à virtude e à religião. É justamente nas “épocas de solidão”
que conseguimos a motivação necessária para estabelecer a verdade sobre esse
fato.

Na solidão, é que encontramos sanidade para nosso mundo interior,
respostas seguras para nossos caminhos incertos e nutrição vitalizante para
os labores que enfrentamos em nossa viagem terrena.

Nestes nossos apontamentos sobre a solidão, não estamos nos referindo à
“tristeza de estar só”, mas sim, necessariamente, à “quietude íntima”, tão
importante e saudável para que façamos um trabalho de autoconsciência,
valorizando as nuances de nossa vida interior.

Muitos indivíduos vivem dentro de um ciclo diário estafante. Realizam
suas atividades num ambiente de competitividade, agitação, pressa e
rivalidade, vivendo em constante tensão psicológica e, por conseqüência,
alterando suas funções fisiológicas. Por viverem num estado de cansaço e
desgaste contínuos, não conseguem fazer uma real interação entre o meio
ambiente e seu mundo interno, o que ocasiona sérios problemas de convivência
e inúmeros conflitos pessoais.

Nem sempre é possível abandonarmos a vida alvoroçada, os ruídos e as
músicas estridentes, talvez seja até mesmo inviável; mas é perfeitamente
realizável dedicarmos algum tempo à solidão, retirando-nos para momentos de
reflexão.

Nos instantes de silêncio, exercitamos o aprendizado que nos levará a
abrir um canal receptivo à Consciência Divina. É nesse momento que ficamos
cientes de que realmente não estamos sozinhos e que podemos entrar em
contato com a voz da consciência. A voz de Deus, por assim dizer, começará a
“falar em nós”.

Inúmeras criaturas criam uma mente agitada por temerem que estão vazias,
pensam não haver nada dentro delas que lhes dê proteção, apoio e segurança.
Acreditam que são uma casca que precisa exclusivamente de sustentação
exterior; por isso, continuam ocupando a casa mental ansiosamente,
obstruindo seu acesso à luz espiritual.

A mente pode ser uma ajuda efetiva, ou mesmo um obstáculo ferrenho na
escolha da melhor direção para atingirmos o amadurecimento íntimo.
A crença em nossa limitação é que faz com que restrinjamos nossa mente. Isso
se agrava quando envolvemo-la no burburinho de vozes, no tumulto e na
agitação do cotidiano, passando assim a não avaliarmos corretamente seu
verdadeiro potencial.

São muitos os caminhos de Deus, e a solidão pode ser um deles. “E saindo,
foi, como costumava, para o Monte das Oliveiras; e também os seus discípulos
o seguiram.”

Jesus Cristo, constantemente, se retirava para a intimidade que o
silêncio proporciona, pois, entendia que a elevação de alma somente é
possível na “privacidade da solidão”.

O Cristo Amoroso sabia que, quando houvesse silêncio no coração e no
intelecto, se estabeleceriam as bases seguras da relação entre a criatura e
o Criador, proporcionando a percepção de que somos unos com a Vida e unos
com todos os seres.
“...buscam no retiro a tranqüilidade que certos trabalhos reclamam. (...)
Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da
sociedade, porquanto para ela trabalham.”

A Espiritualidade Maior entende que, nos retiros de tranqüilidade,
criamos uma sustentação interior, que nos permite sintonizar com as leis
divinas e com os valores reais da consciência cristã.

Ouçamos com os ouvidos internos, pois ninguém pode assimilar bem uma
experiência que não provenha de sua própria orientação interior.

Ninguém é capaz de seguir sua verdadeira estrada existencial, se não
refletir sobre sua essência. Não encontraremos o caminho de que
verdadeiramente necessitamos, se nós mesmos não o buscarmos, usando nossos
inerentes recursos da alma para perceber as inarticuladas orientações
divinas em nós.

Somente cada um pode interpretar as razões da Vida em si mesmo.
Adotemos o aprendizado com o Senhor Jesus, exemplificado no Horto das
Oliveiras: retiremo-nos para um lugar à parte e cultivemos os interesses de
nossa alma.

Se não encontrarmos um recanto externo que facilite a meditação, nem
alguma paisagem mais afastada junto à Natureza, onde possamos repousar da
inquietação da multidão, mesmo assim poderemos penetrar o nosso santuário
íntimo.

Sigamos o Mestre, recolhendo-nos na solidão e no silêncio do templo da
alma, onde exclusivamente encontraremos as reais concepções do amor e da
justiça, da felicidade e da paz, de que todos temos direito por Paternidade
Divina.