terça-feira, 22 de janeiro de 2008

É PRECISO TER GARRA!

Eu sou a Genaura Tormin. Estou paraplégica há 25 anos.

Agora, não pulo corda, não ando de bicicleta... Recebi uma dura sentença por crime que não cometi nesta vida. Mataram minhas pernas em mim. Mesmo assim, ainda corro atrás da vida para que ela não corra atrás de mim. Esforço-me para ser a campeã dos meus aprendizados. O meu coração é vivo e o sorriso aflora sempre até os cantos das orelhas. Eu estou viva!!

Às vezes, quando estamos nos píncaros do sucesso, somos atirados inexoravelmente ao caos.

É chegada a hora de uma marcante mudança de vida.

Foi o que aconteceu comigo!

Numa manhã de março acordei paraplégica, vítima de uma virose ou de um erro médico.

Na realidade, um turbilhão de dificuldades nunca imaginadas. Uma jovem mulher reduzida a cabeça, seios e braços. O resto, morbidamente alheio ao meu comando: dormente como se não fosse meu.

Os meus passos foram banidos. Perdi o meu ir-e-vir cheio de graça, de trejeitos. Poderia ter sido uma bailarina na vida, mas tive a vida para bailar, gingar até encontrar os meus próprios caminhos, lapidar os meus cantos, aparar as arestas. Lógico que envidei muitos esforços para reverter o descalabro da situação. Sou guerreira de muitas batalhas para não ser escória de uma sociedade que, geralmente, só aceita os fortes, perfeitos e vencedores, sem entender que a pessoa com deficiência é forte e vencedora de si mesma, compulsoriamente.

Consciente de que seria irreversivelmente uma paraplégica, preparei-me e classifiquei-me muito bem para o cargo de Delegado de Polícia de Goiás, e o exerci com presteza, durante 12 anos, ocasião em que, também por concurso público, ingressei no Judiciário Federal, atuando, hoje, na Diretoria de Recursos Judiciais do Tribunal Regional do Trabalho de meu Estado, onde fui, inclusive, subdiretora. Quem falou que deficiente físico não pode trabalhar? Ando de cadeira de rodas e trabalho. Conquistei até o título de “Servidor-padrão”.

Deficiência não é uma opção pessoal. É uma parte natural da experiência humana. Mesmo que nos empreste um visual diferente e algumas dificuldades locomotoras, a mente sã cria soluções para tudo. O trabalho devolve-nos sempre o sentimento de utilidade e supera a defasagem do caminhar.

Baseada no desafio, integro-me muito bem aos grupos de trabalho e luto por tratamento igualitário, mesmo por que, forjada a ferro e fogo, tenho por lema a coragem, o desejo de vencer, e jamais me subjugo às subserviências em busca de protecionismo, benesse, sob o álibi da deficiência. Pelo contrário, preocupo-me em mostrar competência, conquistando respeito pelos meus próprios méritos.

Sinto-me adaptada à vida! Sei que ela se adaptou a mim também. De minha catarse, sou mestra. Já entendo que a minha cadeira de rodas é uma dádiva. Devoto-lhe gratidão. É por meio dela que ando, lido, participo da vida lá fora e nivelo-me aos demais.

Tenho uma família que me ama e não me castra as oportunidades. Pelo contrário, é um nascedouro de forças, incentivos, que me fazem caminhar mesmo sem o uso das pernas. E isso é de importância vital. Talvez seja o segredo de todo o sucesso que tenho conquistado.

Sou escritora. Escrevi PÁSSARO SEM ASAS, já em 5ª edição. É um livro autobiográfico, corajoso, em que me desnudo, viro-me do avesso e conto ao leitor toda a minha trajetória depois dessa nova condição de ‘rodante’: avanços, derrotas, conquistas, aprendizados, até as verdades mais recônditas e inconfessáveis. Relato tudo, não como uma história que haja acontecido no estrangeiro, mas um fato verdadeiro, acontecido aqui mesmo, entre nós, cuja protagonista não foi feliz para sempre, como nos contos de fadas, mas faz-se feliz, viva e atuante.

Mais dois livros, Apenas uma flor e Nesgas de saudade, foram também editadoss. Neles, enveredo pelos veios da poesia para acalentar instantes, fabricar fantasias e sentir-me inteira outra vez.

A vida continua. Ainda sou perseguidora de sonhos. As portas me fascinam. A vida ainda acontece inteira no meu coração. Acredito no amanhecer, no poder recomeçar a cada dia. Sou a síntese dos meus desejos, compilação de inércias extáticas, mas, ainda, uma inesgotável fonte de encantamento pela vida, pelos amores, pelo belo, pela arte de fazer versos.





Genaura Tormin. "Sou como a rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo. Posso cair. Caio! Mas caio de pé por cima dos escombros". Embora não haja a força motora para me manter ereta, alicerço-me nas as asas da coragem, do otimismo e da fé.