ENSINANDO INTEGRIDADE
Contou-me uma amiga que, outro dia, seu filho chegou em casa
exultante... Afinal, não é sempre que se tira "dez" em Física... Ela
percebeu, no entanto, que o professor havia se enganado na correção.
Qual não foi sua surpresa quando ele lhe disse que não poderia, de
forma alguma, apresentar o erro para revisão, porque "ninguém devolve
nota"... Foi preciso muita paciência para convencê-lo. Tinha medo das
"gozações" dos colegas.
Às vezes um fato corriqueiro nos faz perceber quantos difíceis
dilemas as crianças terão que resolver, até que se tornem adultos
íntegros.
Não faz muito tempo, ser "um bom menino" significava, como dizia
o palhaço Carequinha, não fazer pipi na cama nem fazer má-criação,
concluir o trabalho de casa com capricho, deixar o quarto mais ou
menos arrumado, não falar palavrão, dirigir-se respeitosamente aos
mais velhos; tarefas, enfim, razoavelmente simples de serem
aprendidas. Isso porque valores como honestidade e integridade não
estavam ainda em discussão.
Ser "um bom menino" hoje significa não apenas saber o que é certo
ou errado, mas também conseguir se opor a atitudes que contrariam os
princípios norteadores da sociedade - o que não é nada fácil nem para
adultos, quanto mais para crianças e jovens.
Opor-se ao grupo e fazer escolhas adequadas demandam forte grau
de segurança. Mais ainda: significam que nossos filhos têm que estar
certos, em primeiro lugar, de que solidariedade, justiça e
honestidade, por exemplo, não estão "fora de moda". Precisam, acima de
tudo, acreditar que, mesmo quando parte dos homens não respeita esses
princípios, não há a mínima condição de vivermos com segurança sem eles.
Como convencê-los, no entanto, se a TV, as novelas, as atitudes
de muitos adultos, os jornais, alguns programas humorísticos e até
certas músicas, os bombardeiam com mensagens antiéticas? Como
convencê-los, se parte dos colegas, com os quais convivem, quebram
vidraças, desrespeitam os mais velhos, picham muros, destroem o
mobiliário das escolas, dirigem sem carteira aos dezesseis anos ou
falsificam documentos para poder entrar nas boates antes da idade
permitida em lei, por vezes com a anuência dos responsáveis?
Criar adultos dignos depende basicamente de duas coisas: da
maneira pela qual nós, pais, vivemos o dia a dia e da confiança que
temos nos valores que guiam nossas ações. Ou seja, é necessário não só
sermos íntegros, mas também não duvidarmos da força dos nossos
princípios. Quando crianças e jovens percebem nos seus mais fortes
modelos segurança inabalável na retidão, na cooperação, na honra -
independente do que estejam fazendo os vizinhos, parentes e amigos -
eles muito provavelmente também acreditarão. Se, ao contrário, já que
há tanta corrupção e impunidade, os próprios pais começam a lassear
seus conceitos ou a repetir diariamente "que o Brasil não tem jeito",
em que irão seus filhos acreditar? Por que e para que irão lutar?
O perigo maior para um jovem não são as drogas - é não crer no
futuro e na sociedade em que vive. A falta de esperança, essa sim, é
que pode levar á depressão, ao individualismo, ao consumismo
exacerbado, ao suicídio, à marginalidade e às drogas. Em contrapartida
a convicção num caminho produtivo a ser trilhado e o desejo de
contribuir fazem com que os jovens progridam, criem, estudem e
realizem. E para ter essa confiança eles precisam conviver com pessoas
que, não apenas vivam de acordo com esse modelo, mas também que não se
deixem abalar pelas notícias negativas que saem diariamente na mídia.
Existe sim gente desonesta, o que não significa que muitos outros -
muitos mais - não sejam dignos, trabalhadores e corretos. Precisamos
lutar vigorosamente para que nossos filhos percebam que quem leva o
Brasil adianta é "a maioria silenciosa", aquela que é formada por
pessoas honestas e trabalhadoras, e que, por isso mesmo, não
constituem notícia, nem, portanto, aparecem nos jornais e TV.
Os pais têm papel primordial na estruturação do caráter dos
filhos. Resgatar a ética é hoje questão de sobrevivência. Que jovem
poderá resistir às pressões negativas de uma sociedade em crise, se
não aquele que tenha internalizado o respeito por si próprio e pelo
outro? Para isso é preciso, em primeiro lugar, que se reconheçam num
modelo - isto é, que saibam quem são, que façam identificações
adequadas. E para tanto precisam de modelos fortes e seguros, que não
duvidem nem desanimem a cada notícia negativa nos jornais, ou a cada
mau exemplo nas vizinhanças.
Muita gente acha que ensinar integridade é impossível nos tempos
modernos. Talvez ignorem que isso se faz basicamente através dos
exemplos concretos de vida. Se os pais, "sem muito discurso", vivem de
acordo com princípios, estarão encorajando os filhos a seguirem seus
passos, mesmo sem perceber. Quer dizer, não mentindo, não aceitando
uma conta errada no restaurante, chegando à hora combinada aos
encontros, respeitando a lei, não mudando ou querendo mudar as regras
do jogo de acordo com as conveniências do momento e, especialmente,
não disseminando amargura e descrença, simplesmente porque nem todos
agem de maneira honesta. Na grande maioria dos casos, essa forma de
viver será suficiente para que seus filhos acreditem nos valores...
Afinal, não podem contestar - estão vendo! - vocês vivem de acordo com
o que defendem!
Por fim é bom lembrar que, especialmente quando nossos filhos
chegam à adolescência, quase com certeza, irão opor alguma (ou
bastante) resistência ao que defendemos. Não nos deixemos iludir pelas
aparências - especialmente não desanimemos! Eles estão lutando para se
independentizar e isso pode significar ficar contra tudo (literalmente
TUDO, para nosso desespero) que nós, pais, postulamos. Ainda que seja
difícil acreditar, nossas lições nunca são inúteis. Enquanto nossas
atitudes forem coerentes com nosso discurso, estaremos provendo a base
para a qual eles retornarão, quando a época da rebeldia terminar. E,
mesmo na fase mais aguda de autoafirmação, raramente se afastarão dos
conceitos essenciais. Poderão até fazer algumas bobagens, mas nada que
fira de forma irremediável a ética e os valores que aprenderam, por
toda sua curta vida, a respeitar.
Mesmo quando parece que não nos ouvem nem veem, é a nossa
integridade que serve de fundamento para nossos filhos, hoje e sempre.
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